Missões chegaram a ter cerca de 800 mil cabeças de gado |
Dos tempos das Missões até a Sicredi Pioneira de Nova Petrópolis (RS): Jesuítas participaram na criação de arranjos econômicos cooperativos
A intenção deste texto é valorizar o
cooperativismo. A história começa com o cooperativismo dos jesuítas espanhóis no tempo da
colônia nos primórdios do Paraná e termina com a criação da cooperativa de crédito que deu origem ao Sistema Sicredi desta vez por um jesuíta alemão. É como se os jesuítas evangelizassem na prática
Muito se escuta falar dos jesuítas nas Américas, no Brasil e no Paraná. Em 1588, o padre jesuíta espanhol Manuel Ortega e o irlandês Thomas Fields chegaram ao povoado de Villa Rica do Espírito Santo, cujas ruínas se encontram hoje no município de Fênix, no Paraná de hoje onde são preservadas pelo Parque Estadual Vila Rica do Espírito Santo. Eles foram enviados ou pelo menos orientados a virem para Villa Rica pelo Padre Anchieta de São Paulo, conhecido como o apóstolo do Brasil. A missão deles era cuidar de Villa Rica e Ciudad Real del Guayrá e ministrar às populações nativas da região, melhorando a vida, reduzindo-os à vida sedentária e aproveitando para trazê-los à comunidade cristã.
Entre 1622 – 1628, os jesuítas fundaram pelo menos 11 missões no que hoje é Paraná e na época pertenciam à Espanha. As vilas ficavam às margens dos rios Tibagi, Ivaí, Corumbataí, Piquirí, Paraná e pelo menos uma no rio Iguaçu, acima das Cataratas do Iguaçu, esta última, Santa María del Iguazú tema do filme “A Missão” rodado em parte nas Cataratas do Iguaçu.
Logo após a fundação das cidades nas selvas do então Guayrá começaram os ataques dos Bandeirantes. No auge dos ataques, todas as 11 cidades se mudaram, isto é, os moradores, tanto os milhares de índios como os padres espanhóis fugiram dos ataques e se dirigiram em direção ao que hoje é Argentina, Paraguai e Rio Grande do Sul. Por volta de 1638 já não havia missões jesuítas no Guayrá, leia-se Paraná. A maioria das cidades jesuíticas paranaenses foram criadas, de novo, nos novos territórios.
Durante 119 anos, as comunidades tiveram tranquilidade e prosperaram em vilas como San Ignacio Mini (ARG), San Ignacio Guazú, Trinidad, Jesús de Tavarangue (PY), San Miguel Arcanjo (RS) entre outras, todas fazendo parte de roteiros turísticos hodiernos. Em 1757, os jesuítas foram expulsos das terras portuguesas e espanholas. Para trás foram deixados os milhares de índios, a maioria guarani, as edificações e todo o patrimônio de propriedade comunitária das Missões Jesuíticas.
De acordo
com a tese de doutorado da pesquisadora Sofia Suárez da Universidade
de Buenos Aires publicada em 1920 chamada “El fenómeno sociológico del trabajo
industrial en las misiones jesuíticas”, o rebanho bovino das missões deixados
para trás pelos jesuítas tinha 769.353 cabeças. O rebanho contava ainda com
221.537 ovinos e 94.893 cabeças de equinos e muares. Tudo ficou para trás para
ser apropriado pelos defensores do sistema "normal" que não privilegia populações
nativas favorecendo a escravidão e a pobreza das populações
sobreviventes. Para trás ficaram condenados ao retrocesso milhares de índios
treinados como carpinteiros, escultores, fundidores, talhadores, músicos, construtores de instrumentos musicais entre outras profissões.
Praça das Flores ou 15 de Novembro, Nova Petrópolis (foto Marelo Moura PMNP) |
A volta dos jesuítas ao Brasil
Em 1840, um grupo de jesuítas vindo da Região do Prata, conseguiu entrar no Brasil depois de 83 anos de ausência. A volta não foi oficial e não havia permissão para o retorno, o que significa que foi uma regresso um tanto clandestino. O grupo se pôs a trabalhar como foi possível e eles lançaram algumas raízes em Santa Catarina. Essa volta ao Brasil ocorreu 16 anos após a chegada dos primeiros colonos alemães ao Brasil, em 1824 na região do Rio do Sino com sede na cidade de São Leopoldo. Esses colonos de fé luterana foram recebidos pelo imperador Dom Pedro e a Imperatriz Leopoldina.
Uma história que ocorre paralela à chegada dos jesuítas, outra tentativa de colonização, baseada nas leis de comércio, pequena propriedade, liberdade relativa de religião, quer dizer podiam adorar mas ainda era ilegal ter igrejas que não fossem católicas, na produção de alimentos e sem condições de sua comercialização.
Uma das histórias mais tristes da imigração aconteceu justamente com este experimento. Sem capital nem todos os núcleos tiveram o sucesso esperado e se viram jogados à própria sorte e ao abandono. Por coincidência, dois anos após a chegada do grupo dos jesuítas, aquele que se fixou em Santa Catarina, nasceu na Colônia de São Leopoldo, uma menina que viria a ser, anos depois, protagonista da história triste mencionada no começo do parágrafo. Por causa do abandono, um grupo buscou conforto e esperança na interpretação religiosa radical o que levou, no final, a um confronto com as forças oficiais. Esse desfecho ocorreu em 1874 com a morte daquela menina mencionada, cujo nome era Jakobina Menz.
Dois anos antes desse lamentável desfecho, em 1872, a Alemanha sob o domínio de Otto von Bismarck expulsou os jesuítas. Alguns jesuítas alemães aproveitaram a oportunidade e emigraram para o Sul do Brasil. Segundo registros, e como sempre, a volta dos jesuíta já começou deixando legados. Os grupos de estudos criados pelos foram os primeiros passos para a criação da futura Universidade do Vale do Rio dos Sinos.
Caixa de Depósitos e Empréstimos - Futura Sicredi Pioneira |
Cooperativas salva os colonos
Parece que, 17 anos após a chegada dos jesuítas do Vale do Rio dos Sinos, comunidade alemães pipocavam por toda a região, de Porto Alegre a Gramado e Nova Petrópolis. Em 1885 chega à paróquia da cidade de Nova Petrópolis, o padre jesuíta suíço de língua alemã Theodor Amstad. Parte de sue trabalho era percorrer a pé e a lombo de burro, todas as comunidades de língua alemã que eram muitas e separadas por quilômetros e quilômetros de picadas difíceis, travessias perigosas de rios e subidas em encostas perigosas de morros. Essa experiência e corpo a corpo com a realidade dos colonos que enfrentavam grandes dificuldades para adquirirem capital, fez vir à tona uma habilidade, quase um dom do padre Amstad. O de organizar os colonos e uni-los em torno a uma cooperativa para que "o trabalho de todos", como ele dizia, "sob o comando de um", pudesse fazer o que ninguém conseguiria fazer sozinho.
Antes de aterrissar na Serra Gaúcha, o padre em sua formação passou por sua Beckenriede natal na Suíça , pela Alemanha, Holanda e Londres. Na Alemanha ele conheceu e investigou o sistema de cooperativa de crédito aperfeiçoado por Friedrich Raiffeisen. Os Bancos ou Caixa Raiffeisen se espelhavam pela Alemanha e o modelo extrapolava suas fronteiras – o que acontece até hoje.
Sicredi Pioneira (RS) continua na mesma sede 118 anos depois |
Uma das lições que Almstad passou para todos os que enfrentam dificuldades foi transformar desafios pessoais em vantagem. Uma de suas desvantagens originais foi não ter domínio do português o que fez com que seu administrador, o também jesuíta padre Carlos Teschauer desse-lhe a missão de apascentar o rebanho de Cristo nas colônias alemãs afligidas por dificuldades econômicas, financeiras, educacionais e na área da saúde. O trabalho do padre Amstad foi finalmente reconhecido pelos brasileiros. Em dezembro de 2019, o presidente Jair Bolsonaro assinou a Lei 13.926 que consagrou o padre Amstad como o "Patrono do Cooperativismo no Brasil".
Praça e memorial ao Pai do Cooperativismo em Nova Petrópolis (RS) |
Para conhecer o berço do cooperativismo
O padre Jesuíta Theodor Amstad nunca pensou que a
cooperativa que criou pudesse, 118 anos
depois, ter dado início ao sistema que hoje beneficia a mais de 12 milhões de brasileiros. O padre
tampouco poderia imaginar que no futuro o berço do cooperativismo brasileiro, a
cidade de Nova Petrópolis (RS) e mais especificamente o distrito Imperatriz fosse
incluído na lista dos Roteiros Temáticos do Turismo do Rio Grande do Sul.
O
Estado possui pelo menos nove roteiros e sub roteiros ligados à
colonização alemã (há roteiros de outras nacionalidades). Eles se chamam: Caminhos
Germânicos, Porto Alegre e Serra Gaúcha, Recanto dos Pioneiros, Rota Cervejeira
da Serra Gaúcha, Rota Romântica, Roteiro Ecoviv, Roteiro Rural Alemães do Sul, Roteiros
Autoguiados de Natureza e Roteiro do Cooperativismo.
É oficial: capital do cooperativismo |
É sobre este último que vamos explorar mais de perto no momento. O propósito dele é permitir aos visitantes interessados no tema reconstituir os primeiros passos do cooperativismo na América Latina (não só no Brasil).
No roteiro é possível conhecer, a primeira sede da Sicredi Pioneira RS e a Praça Theodor Amstad. A praça foi construída pelos moradores em 1942, para que a comunidade pudesse receber o Congresso da União Popular (Volksverein), organização fundada por Amstad que trouxe cinco mil pessoas à cidade. Na praça há ainda o monumento ao Padre Amstad e placa aos 100 anos da Associação Amstad .
Outras atrações:
a) Igreja
Católica São Lourenço Mártir que abriga vitrais, pinturas, monumento e mausoléu
do Padre Theodor Amstad.
b) Memorial Padre Amstad:
localizado na “Caixa Rural” (terceira sede da Sicredi Pioneira RS - 1953 a
1967), abriga peças e fotografias que contam os passos do patrono do
cooperativismo na América Latina. E ainda no mesmo prédio está instalada a c) sede
da Casa Cooperativa de Nova Petrópolis. d) Escola Padre Amstad: Durante a
visita é possível conhecer o funcionamento de uma cooperativa escolar, a
Cooeamstad. e) Cooperativa Piá: Fundada em 1967 é responsável pelo desenvolvimento de grande
parte da cadeia produtiva da região, fabricando laticínios, com destaque para
doces e creme de leite, iogurtes e bebidas lácteas. f) Parque Aldeia do Imigrante: o parque localizado no centro de Nova Petrópolis
abriga uma aldeia de prédios históricos, entre eles, a g) reconstrução da
primeira sede da Cooperativa de Crédito.
h) Monumento Força Cooperativa: localizado na Praça das Flores, inaugurado em
2002, é o primeiro e o mais representativo monumento ao cooperativismo do
mundo.
O mounmento é formado por sete pessoas representando as diversas profissões da
época, que carregam uma pedra que "estava no caminho" - citada pelo
Padre Amstad em 1900, fazendo referência à união de pessoas com objetivos
comuns para superar dificuldades. As sete pessoas simbolizam também os sete princípios do cooperativismo e as sete cores da bandeira.
Notas
As informações turísticas são da Casa Cooperativa, Nova Petrópolis (RS).
Quem desejar se aprofundar,
trabalhos acadêmicos sobre o assunto incluem:
1) “O pequeno padre e pai dos
colonos” as representações sociais de Theodor Amstad e suas práticas no Sul do
Brasil”, de Alba Cristina Couto dos Santos Salatino da Universidade de Caxias
do Sul.
2) O Associativismo Cristão no Sul do Brasil - a contribuição da Sociedade União Popular e da Liga das Uniões Coloniais para a Organização Social e o Desenvolvimento Sul-Brasileiro de Erneldo Schallenberger.
Esta matéria continuará após a pandemia que aflige a humanidade. Até lá!
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