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quinta-feira, 9 de julho de 2020

Jesuítas, uma congregação com os pés no chão. Legado deles incluem o cooperativismo atual e o das Missões de outrora

Missões chegaram a ter cerca de 800 mil cabeças de gado

Dos tempos das Missões até a Sicredi Pioneira de Nova Petrópolis (RS): Jesuítas participaram na criação de arranjos econômicos cooperativos


A intenção deste texto é valorizar o cooperativismo. A história começa com o cooperativismo dos jesuítas espanhóis no tempo da colônia nos primórdios do Paraná e termina com a criação da cooperativa de crédito que deu origem ao Sistema Sicredi desta vez por um jesuíta alemão. É como se os jesuítas evangelizassem na prática 

   

Muito se escuta falar dos jesuítas nas Américas, no Brasil e no Paraná. Em 1588, o padre jesuíta espanhol Manuel Ortega e o irlandês Thomas Fields chegaram ao povoado de Villa Rica do Espírito Santo, cujas ruínas se encontram hoje no município de Fênix, no Paraná de hoje onde são preservadas pelo Parque Estadual Vila Rica do Espírito Santo.  Eles foram enviados ou pelo menos orientados a virem para Villa Rica pelo Padre Anchieta de São Paulo, conhecido como o apóstolo do Brasil. A missão deles era cuidar de Villa Rica e Ciudad Real del Guayrá e ministrar às populações nativas da região, melhorando a vida, reduzindo-os à vida sedentária e aproveitando para trazê-los à comunidade cristã.

Entre 1622 – 1628, os jesuítas fundaram pelo menos 11 missões no que hoje é Paraná e na época pertenciam à Espanha. As vilas ficavam às margens dos rios Tibagi, Ivaí, Corumbataí, Piquirí, Paraná e pelo menos uma no rio Iguaçu, acima das Cataratas do Iguaçu, esta última, Santa María del Iguazú tema do filme “A Missão” rodado em parte nas Cataratas do Iguaçu.

Logo após a fundação das cidades nas selvas do então Guayrá começaram os ataques dos Bandeirantes. No auge dos ataques, todas as 11 cidades se mudaram, isto é, os moradores, tanto os milhares de índios como os padres espanhóis fugiram dos ataques e se dirigiram em direção ao que hoje é Argentina, Paraguai e Rio Grande do Sul. Por volta de 1638 já não havia missões jesuítas no Guayrá, leia-se Paraná. A maioria das cidades jesuíticas paranaenses foram criadas, de novo, nos novos territórios.  

Durante 119 anos, as comunidades tiveram tranquilidade e prosperaram em vilas como San Ignacio Mini (ARG), San Ignacio Guazú, Trinidad, Jesús de Tavarangue (PY), San Miguel Arcanjo (RS) entre outras, todas fazendo parte de roteiros turísticos hodiernos.  Em 1757, os jesuítas foram expulsos das terras portuguesas e espanholas. Para trás foram deixados os milhares de índios, a maioria guarani, as edificações e todo o patrimônio de propriedade comunitária das Missões Jesuíticas.

De acordo com a tese de doutorado da pesquisadora Sofia Suárez da Universidade de Buenos Aires publicada em 1920 chamada “El fenómeno sociológico del trabajo industrial en las misiones jesuíticas”, o rebanho bovino das missões deixados para trás pelos jesuítas tinha 769.353 cabeças. O rebanho contava ainda com 221.537 ovinos e 94.893 cabeças de equinos e muares. Tudo ficou para trás para ser apropriado pelos defensores do sistema "normal" que não privilegia populações nativas favorecendo a  escravidão e a pobreza das populações sobreviventes. Para trás ficaram condenados ao retrocesso milhares de índios treinados como carpinteiros, escultores, fundidores, talhadores, músicos, construtores de instrumentos musicais entre outras profissões.   

Praça das Flores ou 15 de Novembro, Nova Petrópolis
(foto Marelo Moura PMNP)

A volta dos jesuítas ao Brasil

Em 1840, um grupo de jesuítas vindo da Região do Prata, conseguiu entrar no Brasil depois de 83 anos de ausência. A volta não foi oficial e não havia permissão para o retorno, o que significa que foi uma regresso um tanto clandestino. O grupo se pôs a trabalhar como foi possível e eles lançaram algumas raízes em Santa Catarina. Essa volta ao Brasil ocorreu 16 anos após a chegada dos primeiros colonos alemães ao Brasil, em 1824 na região do Rio do Sino com sede na cidade de São Leopoldo. Esses colonos de fé luterana foram recebidos pelo imperador Dom Pedro e a Imperatriz Leopoldina.  

Uma história que ocorre paralela à chegada dos jesuítas, outra tentativa de colonização, baseada nas leis de comércio, pequena propriedade, liberdade relativa de religião, quer dizer podiam adorar mas ainda era ilegal ter igrejas que não fossem católicas, na produção de alimentos e sem condições de sua comercialização.

Uma das histórias mais tristes da imigração aconteceu justamente com este experimento. Sem capital nem todos os núcleos tiveram o sucesso esperado e se viram jogados à própria sorte e ao abandono. Por coincidência, dois anos após a chegada do grupo dos jesuítas, aquele que se fixou em Santa Catarina, nasceu na Colônia de São Leopoldo, uma menina que viria a ser, anos depois, protagonista da história triste mencionada no começo do parágrafo. Por causa do abandono, um grupo buscou conforto e esperança na interpretação religiosa radical o que levou, no final, a um confronto com as forças oficiais. Esse desfecho ocorreu em 1874 com a morte daquela menina mencionada, cujo nome era Jakobina Menz.

Dois anos antes desse lamentável desfecho, em 1872, a Alemanha sob o domínio de Otto von Bismarck expulsou os jesuítas. Alguns jesuítas alemães aproveitaram a oportunidade e emigraram para o Sul do Brasil. Segundo registros, e como sempre, a volta dos jesuíta já começou deixando legados. Os grupos de estudos criados pelos foram os primeiros passos para a criação da futura Universidade do Vale do Rio dos Sinos.                 

Caixa de Depósitos e Empréstimos - Futura Sicredi Pioneira

Cooperativas salva os colonos

Parece que, 17 anos após a chegada dos jesuítas do Vale do Rio dos Sinos, comunidade alemães pipocavam por toda a região, de Porto Alegre a Gramado e Nova Petrópolis. Em 1885 chega à paróquia da cidade de Nova Petrópolis, o padre jesuíta suíço de língua alemã Theodor Amstad. Parte de sue trabalho era percorrer a pé e a lombo de burro, todas as comunidades de língua alemã que eram muitas e separadas por quilômetros e quilômetros de picadas difíceis, travessias perigosas de rios e subidas em encostas perigosas de morros. Essa experiência e corpo a corpo com a realidade dos colonos que enfrentavam grandes dificuldades para adquirirem capital, fez vir à tona uma habilidade, quase um dom do padre Amstad. O de organizar os colonos e uni-los em torno a uma cooperativa para que "o trabalho de todos", como ele dizia, "sob o comando de um", pudesse fazer o que ninguém conseguiria fazer sozinho.

Antes de aterrissar na Serra Gaúcha, o padre em sua formação passou por sua Beckenriede natal na Suíça , pela Alemanha, Holanda e Londres. Na Alemanha ele conheceu e investigou o sistema de cooperativa de crédito aperfeiçoado por Friedrich Raiffeisen. Os Bancos ou Caixa Raiffeisen se espelhavam pela Alemanha e o modelo extrapolava suas fronteiras – o que acontece até hoje.

Sicredi Pioneira (RS) continua na mesma sede 118 anos depois
Em 1902, 17 anos após sua chegada, ele abre a Caixa de Economia ou Caixa de Depósitos e Empréstimos Amstad na linha Imperatriz em Nova Petrópolis. Isso ocorreu por meio da organização de associações de lavradores. A caixa no estilo  Raiffeisen deu início à primeira cooperativa de crédito do Brasil hoje presente em todo o Brasil e conhecida de todos os brasileiros com o nome de Sicredi.

Uma das lições que Almstad passou para todos os que enfrentam dificuldades foi transformar desafios pessoais em vantagem. Uma de suas desvantagens originais foi não ter domínio do português o que fez com que seu administrador, o também jesuíta padre Carlos Teschauer desse-lhe a missão de apascentar o rebanho de Cristo nas colônias alemãs afligidas por dificuldades econômicas, financeiras, educacionais e na área da saúde. O trabalho do padre Amstad foi finalmente reconhecido pelos brasileiros. Em dezembro de 2019, o presidente Jair Bolsonaro assinou a Lei 13.926 que consagrou o padre Amstad como o "Patrono do Cooperativismo no Brasil".


TURISMO 
Roteiro do Cooperativismo

Praça e memorial ao Pai do Cooperativismo
em Nova Petrópolis (RS) 



Para conhecer o berço do cooperativismo

O padre Jesuíta Theodor Amstad nunca pensou que a cooperativa que  criou pudesse, 118 anos depois, ter dado início ao sistema que hoje beneficia  a mais de 12 milhões de brasileiros. O padre tampouco poderia imaginar que no futuro o berço do cooperativismo brasileiro, a cidade de Nova Petrópolis (RS) e mais especificamente o distrito Imperatriz fosse incluído na lista dos Roteiros Temáticos do Turismo do Rio Grande do Sul.

O Estado possui pelo menos nove roteiros e sub roteiros ligados à colonização alemã (há roteiros de outras nacionalidades). Eles se chamam: Caminhos Germânicos, Porto Alegre e Serra Gaúcha, Recanto dos Pioneiros, Rota Cervejeira da Serra Gaúcha, Rota Romântica, Roteiro Ecoviv, Roteiro Rural Alemães do Sul, Roteiros Autoguiados de Natureza e Roteiro do Cooperativismo.

É oficial: capital do cooperativismo

É sobre este último que vamos explorar mais de perto no momento. O propósito dele é permitir aos visitantes interessados no tema reconstituir os primeiros passos do cooperativismo na América Latina (não só no Brasil).
No roteiro é possível conhecer, a primeira sede da Sicredi Pioneira RS e a Praça Theodor Amstad. A praça foi construída pelos moradores  em 1942, para que a comunidade pudesse receber o Congresso da União Popular (Volksverein), organização fundada por Amstad que trouxe cinco mil pessoas à cidade. Na praça há ainda o monumento ao Padre Amstad e placa aos 100 anos da Associação Amstad .
Outras atrações:
a) Igreja Católica São Lourenço Mártir que abriga vitrais, pinturas, monumento e mausoléu do Padre Theodor Amstad.
b) Memorial Padre Amstad: localizado na “Caixa Rural” (terceira sede da Sicredi Pioneira RS - 1953 a 1967), abriga peças e fotografias que contam os passos do patrono do cooperativismo na América Latina. E ainda no mesmo prédio está instalada a c) sede da Casa Cooperativa de Nova Petrópolis. d) Escola Padre Amstad: Durante a visita é possível conhecer o funcionamento de uma cooperativa escolar, a Cooeamstad. e) Cooperativa Piá: Fundada em 1967 é responsável pelo desenvolvimento de grande parte da cadeia produtiva da região, fabricando laticínios, com destaque para doces e creme de leite, iogurtes e bebidas lácteas. f) Parque Aldeia do Imigrante: o parque localizado no centro de Nova Petrópolis abriga uma aldeia de prédios históricos, entre eles, a g) reconstrução da primeira sede da Cooperativa de Crédito.
h) Monumento Força Cooperativa: localizado na Praça das Flores, inaugurado em 2002, é o primeiro e o mais representativo monumento ao cooperativismo do mundo.
O mounmento é formado por sete pessoas representando as diversas profissões da época, que carregam uma pedra que "estava no caminho" - citada pelo Padre Amstad em 1900, fazendo referência à união de pessoas com objetivos comuns para superar dificuldades. As sete pessoas simbolizam também os sete princípios do cooperativismo e as sete cores da bandeira.

Notas
As informações turísticas são da Casa Cooperativa, Nova Petrópolis (RS).
Quem desejar se aprofundar, trabalhos acadêmicos sobre o assunto incluem:
1) “O pequeno padre e pai dos colonos” as representações sociais de Theodor Amstad e suas práticas no Sul do Brasil”, de Alba Cristina Couto dos Santos Salatino da Universidade de Caxias do Sul.
2) O Associativismo Cristão no Sul do Brasil - a contribuição da Sociedade União Popular e da Liga das Uniões Coloniais para a Organização Social e o Desenvolvimento Sul-Brasileiro de Erneldo Schallenberger. 
 Esta matéria continuará após a pandemia que aflige a humanidade. Até lá! 

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