Patrocinados

quarta-feira, 20 de maio de 2020

O pintor, desenhista e etnólogo italiano Guido Boggiani nas terras do Pantanal do Nabileque

Guido Boggiani
Guido Boggiani, desenhista, pintor, fotógrafo e etnólogo nasceu em Omegna, Itália. Estudou artes, produziu, expôs obras na Itália e aos 26 anos atravessou o mar para apresentar seu trabalho em Buenos Aires, capital da Argentina. Esse era o propósito original dele. Mas em Buenos Aires ele escutou falar dos índios do Chaco argentino, paraguaio e brasileiro. A cabeça de Boggiani foi virada pelo avesso e ele "escasquetou" com a ideia de viajar ao Chaco e Pantanal e dedicar-se a retratar a vida, o dia a dia, a arte, a história dos indios. Em 1888, ano em que a primeira expedição brasileira chegava às margens do rio Iguaçu para fundar a Colônia Militar do Iguaçu, Boggiani chegou a Assunção.

E tão rápido quanto foi possível, partiu para o Chaco especialmente para Puerto Casado, Paraguai, hoje uma cidadezinha de 7 mil habitantes às margens do rio Paraguai. Daí, partiu à pé até o Forte Olimpo também Paraguai. Lá, ele seus ajudantes embarcaram em alguns “catchivéus” (Canoas) e remaram até a Boca do Rio Nabileque. Subiram o rio até um acampamento Kaduveu. De lá, conta Giovanni em livro deixado escrito, embarcou numa viagem a lombo de boi até a capital do Nabileque – segundo ele – chamada Nalique. Onde ficará Nalique hoje? Isso foi há 132 anos.   

 Planície do Nabileque - a Grande Fronteira - Terra das Grandes Caçadas aos Cervos


Eu já conhecia Guido Boggiani como nome de rua em Assunção. Mas foi em uma viagem a Brasília em 1996 que, explorando a livraria da Universidade de Brasília (UNB), descobri o livro “Os caduveos” escrito por Boggiani que narra a experiência de seus três meses com os caduvéus. Comprei o livro, li e me apaixonei pela obra, a vida e a região do Nabileque. Hoje Nabileque é uma das regiões facilmente reconhecíveis do Pantanal e no linguajar da região pantaneira se diz que o Nabileque é um dos Pantanais junto com o Pantanal de Miranda, Pantanal do rio Negro e o Pantanal da Nhecolândia.  

Nos três meses em que Boggiani passou com os Kaduweus, ele produziu os documentos mais valiosos sobre aqueles habitantes do Pantanal brasileiro e do Chaco paraguaio-boliviano. Graças a Boggiani (foto) ainda temos hoje idéia das várias manifestações culturais artísticas dos Kaduweus praticadas naqueles dias e reproduzidas por Boggiani. Eram pequenas esculturas que ornam objetos pessoais como cachimbos, as espátulas de madeiras usadas para tecer, pequenos pentes de chifre, decoração de pequenas contas coloridas utilizadas em cintos e nos sacos de provisões. Ele narra a técnica de tecelagem e impressão utilizando um barbante. Graças a ele temos notícias da existência de marcas de posses que os Kaduweus imprimiam sobre toda espécie de material desde objetos, ao gado, aos cavalos e até as mulheres, sobre os postes totêmicos e em bandeiras com a insígnia de caciques.

O propósito da missão de Boggiani entre os Kaduweus era comercial. Ele estava lá para comprar coros de cervos (veados) ou pelo menos essa foi a desculpa para justificar o projeto. A moeda de pagamento – à moda de outros contatos entre europeus e índios – era a pinga, a rapadura e os tecidos que ele portava em sua carga.

Logo após voltar de Brasília, na viagem que adquiri o livro, eu organizei minha própria viagem às terras vistas por Boggiani. Parti de Miranda, Mato Grosso do Sul, onde morava abordo de um ônibus da empresa Bodoquena, levando no porta malas uma bicicleta de marca Cassola e R$ 50 no bolso. Um orçamento não muito invejável. O destino era um distrito do município de Bodoquena chamado Morraria do Sul. De lá, do topo da Morraria eu poderia ter uma visão quase aérea das terras dos kaduvéos. A viagem entre Bodoquena e a Morraria foi feita de bicicleta. Parti às 14hs e  lá cheguei um pouco depois da meia noite. O amanhecer do dia seguinte já foi na Morraria.

Uma das coisas que constatei no topo da serra foi que o amor de Boggiani pela região e sua descrição da fauna, flora e da paisagem eram verdadeiros. No texto ele se impressiona com a cor azulada da Serra da Bodoquena vista à distância. Eu confirmei essa cor, de repente com um tom ligeiramente diferente, porque eu estava no topo dela, uma meseta magnífica onde cerrado encontra Mata Atlântica descendo as montanhas na direção do rio Paraguai. “Daqui até o rio dá quatro dias de cavalo”, me explicou o morador, filho do dono da casa que alugava um quarto onde dormiam visitantes que apareciam de surpresa especialmente quem chega depois da meia noite de bicicleta. A população do povoado veio à hospedaria ver que teve a coragem de pedalar de noite. Ah, se ele soubesse os perigos!     

Para quem queria comprar coro de cervos, ele escolheu uma boa hora e uma boa região. A região que gosto de chamar de “Campos do Senhor” era chamada na época de Boggiani como “região das grandes caçadas ao cervo” ou segundo o mapa de Giovanni: “reggione delle grande caccie al cervo”. Uma vez por ano, os índios da Planície do Nabileque partiam na Grande Caçada – todos participavam, crianças, famílias e idosos. Como comerciante ele se deu mal.

O resultado da expedição em liras italianas não foi muito bom. Ao sair do Nalique, do Nabileque, das “Montanhas de Miranda”, ele se considerou bem pago com a experiência cultural que leva, com as aquarelas pintadas, com desenhos feitos à pressa e com o seu diário. Seus escritos são hoje parte do acervo literário e cultural dos Kaduwéus ou guaicurús ou ainda dos “Índios Cavaleiros” - como também são chamados até hoje.

Continuará ...

 

Nenhum comentário:

Proposta no ar: IPG em vez de PIB

Li recentemente aqui que executivos americanos embolsaram milhões de dólares antes da crise financeira. Me lembrei de um especialista gaúch...