Guido Boggiani |
E tão rápido quanto foi possível, partiu para o Chaco especialmente para Puerto Casado, Paraguai, hoje uma cidadezinha de 7 mil habitantes às margens do rio Paraguai. Daí, partiu à pé até o Forte Olimpo também Paraguai. Lá, ele seus ajudantes embarcaram em alguns “catchivéus” (Canoas) e remaram até a Boca do Rio Nabileque. Subiram o rio até um acampamento Kaduveu. De lá, conta Giovanni em livro deixado escrito, embarcou numa viagem a lombo de boi até a capital do Nabileque – segundo ele – chamada Nalique. Onde ficará Nalique hoje? Isso foi há 132 anos.
Planície do Nabileque - a Grande Fronteira - Terra das Grandes Caçadas aos Cervos |
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Eu já conhecia Guido Boggiani como nome de rua em Assunção. Mas foi em uma viagem a Brasília em 1996 que, explorando a livraria da Universidade de Brasília (UNB), descobri o livro “Os caduveos” escrito por Boggiani que narra a experiência de seus três meses com os caduvéus. Comprei o livro, li e me apaixonei pela obra, a vida e a região do Nabileque. Hoje Nabileque é uma das regiões facilmente reconhecíveis do Pantanal e no linguajar da região pantaneira se diz que o Nabileque é um dos Pantanais junto com o Pantanal de Miranda, Pantanal do rio Negro e o Pantanal da Nhecolândia.
Nos três meses em que Boggiani passou com os Kaduweus, ele produziu os documentos mais valiosos sobre aqueles habitantes do Pantanal brasileiro e do Chaco paraguaio-boliviano. Graças a Boggiani (foto) ainda temos hoje idéia das várias manifestações culturais artísticas dos Kaduweus praticadas naqueles dias e reproduzidas por Boggiani. Eram pequenas esculturas que ornam objetos pessoais como cachimbos, as espátulas de madeiras usadas para tecer, pequenos pentes de chifre, decoração de pequenas contas coloridas utilizadas em cintos e nos sacos de provisões. Ele narra a técnica de tecelagem e impressão utilizando um barbante. Graças a ele temos notícias da existência de marcas de posses que os Kaduweus imprimiam sobre toda espécie de material desde objetos, ao gado, aos cavalos e até as mulheres, sobre os postes totêmicos e em bandeiras com a insígnia de caciques.
O propósito da missão de Boggiani entre os Kaduweus
era comercial. Ele estava lá para comprar coros de cervos (veados) ou pelo
menos essa foi a desculpa para justificar o projeto. A moeda de pagamento – à
moda de outros contatos entre europeus e índios – era a pinga, a rapadura e os
tecidos que ele portava em sua carga.
Logo após voltar de Brasília, na viagem que adquiri
o livro, eu organizei minha própria viagem às terras vistas por Boggiani. Parti
de Miranda, Mato Grosso do Sul, onde morava abordo de um ônibus da empresa Bodoquena,
levando no porta malas uma bicicleta de marca Cassola e R$ 50 no bolso. Um
orçamento não muito invejável. O destino era um distrito do município de Bodoquena
chamado Morraria do Sul. De lá, do topo da Morraria eu poderia ter uma visão
quase aérea das terras dos kaduvéos. A viagem entre Bodoquena e a Morraria foi
feita de bicicleta. Parti às 14hs e lá
cheguei um pouco depois da meia noite. O amanhecer do dia seguinte já foi na
Morraria.
Uma das coisas que constatei no topo da serra foi que o amor de
Boggiani pela região e sua descrição da fauna, flora
e da paisagem eram verdadeiros. No texto ele se impressiona com a cor azulada
da Serra da Bodoquena vista à distância. Eu confirmei essa cor, de repente com
um tom ligeiramente diferente, porque eu estava no topo dela, uma meseta magnífica
onde cerrado encontra Mata Atlântica descendo as montanhas na direção do rio
Paraguai. “Daqui até o rio dá quatro dias de cavalo”, me explicou o morador,
filho do dono da casa que alugava um quarto onde dormiam visitantes que
apareciam de surpresa especialmente quem chega depois da meia noite de bicicleta.
A população do povoado veio à hospedaria ver que teve a coragem de pedalar de
noite. Ah, se ele soubesse os perigos!
Para quem queria comprar coro de cervos, ele escolheu uma boa hora e uma boa região. A região que gosto de chamar de “Campos do Senhor” era chamada na época de Boggiani como “região das grandes caçadas ao cervo” ou segundo o mapa de Giovanni: “reggione delle grande caccie al cervo”. Uma vez por ano, os índios da Planície do Nabileque partiam na Grande Caçada – todos participavam, crianças, famílias e idosos. Como comerciante ele se deu mal.
O resultado da expedição em liras italianas não foi
muito bom. Ao sair do Nalique, do Nabileque, das “Montanhas de Miranda”, ele se
considerou bem pago com a experiência cultural que leva, com as aquarelas
pintadas, com desenhos feitos à pressa e com o seu diário. Seus escritos são
hoje parte do acervo literário e cultural dos Kaduwéus ou guaicurús ou ainda
dos “Índios Cavaleiros” - como também são chamados até hoje.
Continuará ...
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