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quinta-feira, 8 de junho de 2023

A Importância da Congregação do Verbo Divino para a Tríplice Fronteira

Paróquia São João Batista SVD 1924 - 2024 /100 anos. Chegada do Pe. Guilherme Maria Thiletzek 1923 - 2023  

Quando escutamos ou lemos narrativas sobre a história de Foz do Iguaçu é normal encontrar afirmações sobre o abandono da região pelo governo, o que é certo, e da invasão de exploradores estrangeiros com suas línguas (castelhano ou guarani) e sua moedas, no caso do guarani e do peso argentino. No caso dos exploradores, uma peneirada geral e regional por uma ótica de "região onde três países se encontram" no mesmo grau de abandono, passamos por alto, as inúmeras, práticas de integração. 

Ou seja todos estavam juntos. Essa tendência de "amargurar" a imagem do outro lado nos leva a cometer grandes injustiças. Neste artigo,  o propósito é destacar uma injustiça nessa categoria no âmbito religioso. Tenho em mente aqui o caso e a história dos missionários da Congregação do Verbo Divino. Quem procura a história da Igreja Católica em Foz em nossos arquivos vai encontrar afirmações como a que segue abaixo, em destaque:           

        "No início quem dava atendimento religioso era um padre de Posadas, Argentina, que vinha muito esporadicamente a Foz do  Iguaçu, motivo  que fez com que os moradores reclamassem a presença de padres brasileiros que dessem assistência permanente às almas"

"Um padre de Posadas, Argentina, vinha esporadicamente a Foz" não parece ser uma maneira  justa de lembrar alguém que incluía Foz do Iguaçu no penoso itinerário de suas visitas. Os moradores queriam a presença de alguém que desse assistência permanente. Mas, me incomoda a frase "padres brasileiros" até porque padres brasileiros disponíveis para trabalhar em regiões tão distantes naquela época era difícil de encontrar. Mesmo quando o atendimento começou a ser feito por padres brasileiros ou, quero crer, padres ligados à Igreja no Brasil a maioria era de língua alemã. 

Mas antes de entrar no assunto, vamos lembrar uma outra época e outro fato. Vamos começar do dia em que os padres da Congregação Jesuíta foram expulsos do Brasil, na época, Portugal. Lembremos também do dia em que os Jesuítas foram expulsos das terras da Espanha

A Companhia de Jesus foi expulsa da Espanha no começo de abril de 1767, entre a noite de 31 de março e a manhã de 2 de abril. Foi uma operação tão secreta, rápida e eficaz como a do "extrañamiento" ou a expulsão dos moros da Espanha em 1609, ou até mais".     

Quem visita as ruínas das missões jesuíticas de San Ignacio Mini, San Ignacio Guasu, Jesus de Tavarangue, ou São Miguel da Missões pode aceitar o meu convite de voltar no tempo e imaginar como o mundo amanheceu no dia 3 de abril de 1767. 

Todos os padres tinham sido presos, sequestrados, sumidos e levados para portos de embarque para uma deportação à Espanha. Muitos nunca chegaram ao destino. Os "índios" cristianizados, aldeados, se encontraram sós, abandonados em um ambiente hostil. Buscaram abrigos no mato de onde nunca deviam ter saído. As missões, com suas construções imponentes, obras de arte, ateliês, cemitérios, escolas foram abandonadas. A floresta voltou com tudo e cobriu as imponentes construções. As construções que hoje visitamos e que hoje são Patrimônios Cultural Mundial segundo categoria da Unesco, sumiram no esquecimento. A "barbárie" voltou a dominar a região após 1881 com a decolagem da economia da erva-mate. A escravidão imperou em terras de ervateiros (obrageiros) e peões. 

Só 131 anos após a saída do ultimo jesuíta, chegou o primeiro padre católico na região para re-evangelizar a região que os jesuítas haviam evangelizado mais de um século atrás. O nome desse primeiro padre  era Frederico Vogt. Ele colocou os pés na terra de Posadas no dia 5 de dezembro  de 1898. Só para fazer uma conexão histórica basta lembrar que a movimentação para a criação da Colônia Militar da foz do Iguassu começou em 1888 com a formação da Comissão Estratégica, dez anos antes. 

Para um lugar que ficou adormecido por tanto tempo tudo parecia estar acontecendo muito rápido. Em dois anos após a chegada do padre Frederico Vogt a Posadas, atual capital da Província de Misiones, em  1897, foram redescobertas as  ruínas da antiga e  florescente redução de San Ignacio Mini a cerca de 243 km de Foz do Iguaçu / Puerto Iguazu. 

A chegada do alemão, Frederico Vogt da Sociedade do Verbo Divino, uma congregação relativamente nova, representava o desafio de dar continuidade à obra dos jesuítas e isso literalmente.  

Um ano antes da chegada do Padre Vogt, o fundador da Sociedade do Verbo Divino, o padre alemão Arnaldo Janssen, hoje parte da lista de santos da Igreja,  antes de aceitar o convite para que os verbitas assumissem a "segunda evangelização de Misiones", escreveu em carta com data de 17 de agosto de 1898:

"... He oído que en ese lugar la población es muy escasa; por eso siento poco entusiasmo para empezar allí. Yo creo que deberían hacerlo los padres Jesuitas. Si lo hacemos nosotros y obtenemos resultados, es fácil que parezcamos unos intrusos que quieren cosechar donde otros han sembrado. Opino que debemos dejarle a la Compañía de Jesús el honor, no sólo de haber fundado esas Misiones, sino también de haberlas restaurado. Seguramente deben estar allí vivas aún las antiguas tradiciones de los Jesuitas, de modo que a ellos se les haría todo más fácil que a nosotros.

(Tradução: 

"...ouvi dizer que a população desse lugar é muito escassa; por isso tenho pouco entusiasmo para começar por aí. Acho que os padres jesuítas deveriam fazê-lo. Se fizermos nós mesmos e obtivermos resultados, é fácil que pareçamos intrusos que querem colher onde outros semearam. Creio que devemos deixar à Companhia de Jesus a honra, não só de ter fundado aquelas Missões, mas também de as ter restaurado. Certamente as antigas tradições dos jesuítas ainda devem estar vivas lá, de modo que tudo seja mais fácil para eles do que para nós”).

A pesar da hesitação do fundador da Sociedade dos Verbitas, hoje São Arnaldo Janssen, não houve como não receber a missão de levar em frente a "segunda evangelização das terras das Missões". Foi assim que no dia 6 de dezembro de 1898 o padre Federico recebeu os livros oficiais e a responsabilidade de dirigir uma paróquia de 30 mil quilômetros quadrados com uma população calculada em 30 mil habitantes. A característica principal da nova paróquia era a pobreza onde tudo estava por fazer. A Colônia Militar do Iguassu, como uma presença soberana brasileira não era parte da Paróquia de Posadas mas estando separada por um rio dos limites da Paróquia de Posadas, que servo de Deus negaria atendimento espiritual a ela? Parece que a soberania das organizações humanas ficam em segundo lugar para a soberania do evangelho. 

É por causa disso que me arrepia a afirmação acima ao enxergar nela uma pitada de ingratidão, sem dúvida, baseada na falta de entendimento da situação e de como a Igreja por meio de uma congregação firmava seu governo em uma região trinacional.         

Santo Inacio Mini em sua redescoberta em 1897 

Já que chegamos até aqui, quem seria o padre que esporadicamente vinha de Posadas para rezar uma missa em Foz do Iguaçu? Há grande possibilidade de que este sacerdote possa ter sido, nos primeiros anos, o padre Frederico Vogt e algum outro padre associado a ele até 1907. E por que 1907?  

Porque neste ano, o bispo de Curitiba, Dom José de Camargo Barros incluiu nas atribuições da Paróquia de Guarapuava a missão de cuidar de Foz do Iguaçu e isso quando ainda faltavam cinco anos para a passagem da administração da Colônia Militar para o Município de Guarapuava. E assim como acontecia na Argentina, quem foram os padres escolhidos para a tarefa também no Paraná? Os mesmos padres verbitas. 

Os "verbitas" tinham entrado no Brasil via Espírito Santo no dia 19 de março de 1895 quando os padres missionários Franscisco Dold e Francisco Tollinger que viajavam em um barco chegaram ao Espírito Santo e encontraram uma colônia alemã sem pastor. A pedido da comunidade os padres aceitaram ficar e dar atendimento às colônias tirolesas de fala alemã da região serrana daquele estado. Os verbitas, no começo, se concentravam no atendimento às colônias de fala alemã. O sucesso dos verbitas no Espírito Santo fez com que o bispo de  Curitiba, Dom José de Camargo Barros solicitasse ajuda deles para atender diferentes comunidades de fala alemã também no Paraná. 

O trabalho dos verbitas no Paraná começou em 1899 em São José dos Pinhais. Como já mencionado, em 1907 com a Igreja avançando na direção do Oeste a partir de Guarapuava, uma lista de padres verbitas começaram a atender a Colônia Militar e em seguida ao movo município de Vila Iguaçu. Sem querer atropelar o enredo dessa história, lembramos que essa expansão culminou com a chegada do padre Guilherme Maria Thieletzek a Foz do Iguaçu em outubro de 1923 - fato que neste ano de 2023 completa 100 anos. Com a chegada de Thiletzek começa a história atual da Igreja em Foz por meio da fundação da Paróquia São João Batista em 1924 o que levou à criação da Prelazia em 1926.  

Porém a região trinacional ou das Três Fronteiras é feita pelo encontro de três países e ate aqui falamos da chegada da Igreja na Argentina e no Brasil. E no Paraguai? A história é parecida. 


A fundação da Missão do Monday em 1910 marca início da contagem dos 100 anos da SVD no Paraguai. Placa na Paróquia São Lucas

No mesmo período em que se negociava a vinda de padres verbitas para a Argentina e Brasil, o mesmo acontecia no Paraguai. As negociações duraram entre 1895 e 1900. Não é o propósito deste texto contar a história da Congregação do verbo Divino no Paraguai. O nosso foco é na presença dos verbitas nas terras de difíceis acesso no Alto Paraná. 

A próxima data neste sentido é 1908 quando o padre verbita Franz Müller é nomeado fundador e superior da Missão do Rio Monday. Em 1910 a Missão do Monday foi oficialmente fundada

O rio Monday é este onde se encontra o Salto Monday, visto como um atrativo turístico,  em terras do município de Presidente Franco. Este rio teve um valor histórico de comunicação entre o rio Paraná e o Paraguai durante muito tempo. Note que o padre Franz Müller recebeu a missão de ser o superior da Missão do Monday mas antes de ser o superior da missão ele teria que fundá-la. O local escolhido foi a desembocadura do Arroio Suindá no Rio Monday nos atuais limites entre o Departamento de Caaguazu e Alto Paraná no atual município de Doctor Juan Eulogio Estigarribia, mais conhecido como Campo 9.

É necessário uma pesquisa extensa para refazer os passos dos padres neste território e seu caminhar em terras sob o domínio das ervateiras. As terras da Missão do Monday que apontavam para o rio Paraná, para Itakyry e Takuru Pucu só começaram a entrar no mapa das ligações modernas com a construção da rodovia Assunção-Rio Paraná. Seguindo esse rumo, em 1958 a missão do Monday mudou de foco, seguiu os ventos que sopravam com as estradas com a o estabelecimento de uma residência permanente de padres verbitas em Takuru Puku agora já com o novo nome de Hernandarias. 

Depois de finalizadas a estrada e a Ponte Internacional, com o nascimento de cidades como Ciudad del Este  e sua afirmação como capital do Alto Paraná o governo da Igreja tomou um novo rumo em direção à criação de uma diocese. O mesmo que aconteceu com Foz do Iguaçu. Na cidade brasileira os verbitas seguem presentes na Paróquia São João Batista. No lado paraguaio, a Paróquia San Lucas, no bairro San Lucas. 

  

Igreja San Lucas, Ciudad del Este

Observação:
A SVD teve um papel muito importante na fundação de Toledo e Cascavel. O que destaca o caráter de unicidade e irmandade de todos os  municípios do Oeste do Paraná a partir da chegada do Padre Guilherme Maria Thiletzek ou na versão alemã Wilhelm Maria Thiletzek ou ainda na versão polonesa Wilhelm Maria Tieleczek. 

   


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